[Etnolinguistica] [etnolinguistica] Taruma?

Sérgio Meira asehpe@gmail.com [etnolinguistica] etnolinguistica at yahoogrupos.com.br
Tue Feb 24 16:18:24 UTC 2015


Oi Marcelo,


>  Olá Sérgio,
>
> Antes de tudo, muito obrigado por todas as considerações que fizeste a
> respeito dos dados. Nós justamente nos propusemos a avaliar a natureza
> destas semelhanças e a discutir a possibilidade de uma ligação entre o
> Taruma e línguas da família Chibcha. Temos consciência de que muitos dos
> termos comparados são monossílabos, e este também é um dos aspectos que
> queremos discutir no workshop em nossa apresentação. Temos consciência
> também que isto não é um impedimento, mas algo a ser considerado. Estamos
> utilizando dados de todas as fontes existentes, e, neste sentido,
> agradeço também por você ter tornado públicos estes dados de sua pesquisa.
>

Tenho, por sinal, ainda mais dados (cerca de 550 palavras), e espero
coletar ainda mais em uma segunda viagem ao campo, talvez no fim de abril,
ou talvez também em junho deste ano. Estou agora organizando a publicação
destas palavras, em um artigo em conjunto com meu colega Wapishana Adrian
Gomes, e com o Harald Hammarström, lá de Leiden, que a Eithne talvez
conheça. Se for de interesse para a hipótese de vocês, posso enviar-lhes o
que tenho (ainda não está tudo transcrito, mas já uns 90%). Noto ainda que
tenho gravações em áudio e vídeo de todas as palavras, pronunciadas por
mais de um dos falantes, o que pode ajudar a entender melhor as
transcrições, sobretudo de dados mais antigos e menos bem transcritos como
os do Farabee.

O termo agigi 'avó', por exemplo, está em Farabee (1918:279); nesta mesma
> publicação o termo abana corresponde a 'avô'
>

Pois é, quando li ambos os termos para os Taruma, Mrs Suttie, a que melhor
conhece a língua, disse que /abána/ era 'avó' e que /agigi/ não existia.
Claro, é possível que lhe tenha falhado a memória, ou que a pronúncia da
palavra não seja realmente /agigi/, mas algo diferente. Vou, é claro,
tentar de novo quando voltar lá. Há muitas incógnitas nesse tipo de
trabalho.


> Com relação aos termos para partes do corpo, estamos avaliando a
> possibilidade de que o 'a' inicial de muitas dessas palavras tenha sido
> historicamente um morfema a parte.
>

Sim, isso parece claro (assim como o /dja/ encontrado em termos de
parentesco como /djáwa/ 'criança' ou /dja'uma/ 'mãe'. Há casos semelhantes,
como, se não me falha a memória, o /e/ inicial das partes do corpo em
Kwazá. Mas devemos sempre ter cuidado: há partes do corpo sem o /a/ inicial
também (/ʧinári/ 'perna' ou talvez 'canela', /ʤísɨ/ 'nádegas',
/ʤikwína/ 'cintura', /mebéna/ ~ /njebéna/ 'língua', /paʧúɾi/ 'cotovelo',
/paɾáwa/ 'ombro', /sũku/ 'umbigo', /sɨ̃/ 'pênis', /sɨ́ba/ 'vagina'...).
Pessoalmente inclino-me a concordar que o /a/ de certas partes do corpo
deva ser um morfema independente, mas sempre recomendo cautela.


> Temos, por exemplo: asiko 'pele', apa 'pé', asakidju 'orelha', aʧi 'olho',
> aso 'dente', asa/asə 'nariz', etc. (a forma asəmi, na realidade, precisaria
> ser segmentada: asə-mi nariz-1S 'meu nariz').
>


De fato, /ásɨ-ma/ 'nariz' (não parece haver *schwa *fonêmico em Taruma; os
que observei eram obviamente variantes de /a/) contém um morfema extra
/-ma/, já que ela pode também ocorrer sem ele, i.e. simplesmente  /asɨ́/.
Mas não creio que se trate de um morfema de primeira pessoa, já que ele
pode co-ocorrer com possuidores de todas as pessoas (/hama ásɨ-ma/ '1S',
/edrjan ásɨ-ma/ 'nariz de Adrian', etc.). Não está claro para mim o que
condiciona a presença deste /-ma/, frequentemente encontrando também com
raízes verbais.



> Nos teus dados, o termo ása significa tanto 'boca' como 'dente', mas é
> interessante notar que em dados mais antigos se notava uma distinção (cf.: ase-mö
> 'minha boca', aso-mö 'meu dente', asa-mö 'meu nariz').
>

Há, de fato, um termo /ása/ 'boca, dente' (semelhante ao Wapishana /dako/,
que também significa, segundo múltiplos informantes, tanto 'boca' quanto
'dente'. Pode ser que tenha havido influência do Wapishana. Noto, contudo,
que há certa variação na pronúncia, sobretudo nas vogais finais, átonas e
menos distintas.

Há também um problema com /ásɨ/ 'nariz', que os falantes pareciam tratar às
vezes como variante de /ása/ 'boca; dente' (eles insistiram que 'narina'
era /asá-ma kurutu/ 'nariz(?)-? buraco', com /a/, não /ɨ/). De fato, notei
que muitas palavras parecem ter uma versão terminada em /a/ e uma em /ɨ/ ou
/u/ (/awíʧu/ vs. /awíʧa/ 'barriga'), às vezes com o /a/ sendo claramente
adicional (/ápe/, /ápea/~/ápia/ 'pedra'), o que me faz pensar que o /a/
final em /asa/ seja um morfema separado, o que de novo aproxima 'nariz' de
'boca, dente'.... Haveria em línguas chibcha algum morfema como este /a/,
adicionável ao fim de raízes nominais? (O paralelo mais próximo que me
ocorre é a partícula /a/, marcadora de "caso nominal" ou "argumentativo" em
línguas tupi-guarani...)


> O termo Taruma akwo/akwa 'braço' é interessante, pois, na realidade, é
> mais semelhante com muisca pkua-ka 'braço' e com terraba orkuo ‘mão’.
>

/akwu/~/akwa/ é outro exemplo desse /a/ que mencionei acima...

É claro, é necessário ver quantas semelhanças ocorrem. Quantos pares com
línguas chibcha vocês já encontraram? Os do sumário são os principais, ou
há muitos mais? Quando e onde vai ser o encontro da Societas Europaea
Linguistica, por sinal?


Abraços,

Sérgio
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