'Ve r ão' em Kaingáng e Laklãnõ

Eduardo Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Wed Oct 10 13:00:18 UTC 2007


Prezado Wilmar,

Muitíssimo obrigado por suas informações.  Eu devo ter me confundido quanto
à tradução "verão" em Kaingáng (que agora não encontro em nenhuma das minhas
fontes); devo ter me influenciado pelos dados do Xokléng.  Mas, o que me
interessava aqui eram as circunstâncias em que PJê 'fome' veio a referir-se
a uma época específica do ano em Jê do Sul -- e você me esclareceu isto com
maestria. Pergunto-me se as épocas compreendidas pelos termos Kaingáng e
Xokléng seriam as mesmas.  Isto, talvez, ajudaria a determinar se tal
mudança semântica teria se dado já em Proto-Jê Meridional.

Quanto à extensão do nome de uma época do ano para referir-se a "ano", a sua
explicação é mais do que satisfatória para mim -- e demonstra, mais uma vez,
a importância de se conhecer a cultura para se conhecer bem a língua.  Mas
talvez seja interessante notar que isto é algo comum.  Em Karajá, por
exemplo, pergunta-se tiwesebo abeòra? (lit. 'quantas (são) suas estações
chuvosas?") ou tiwesebo awyra (lit. 'quantas (são) suas estações secas?'),
ao indagar-se a idade de uma pessoa. E, em português, fala-de de
"primaveras" e -- por falar em língua e cultura -- "carnavais".

Mais uma vez, muito obrigado.

Atenciosamente,

Eduardo


On 10/10/07, Wilmar R. D'Angelis <dangelis at unicamp.br> wrote:
>
>   Eduardo
>
> a melhor razão para fazer conexão entre "prÿg" = verão, e "prÿg" = fome,
> miséria, parece ser o fato de que no próprio dicionário de Wiesemann
> aparecem, um após o outro, "prÿg" = "ano" e "prÿg" = "fome, miséria" (com
> um exemplo: "Quando não tem comida chamamos de 'prÿg'").
> Ao que tudo indica, "prÿg" não significou "verão" para os Kaingang, mesmo
> no passado, mas a estação "depois do inverno".
> O que é preciso entender, pois, é porque esse termo passou a significar
> "ano", e em que sentido mais preciso.
> De fato, "prÿg" é o tempo da fome porque é o período em que, após o
> inverno (nas terras Kaingang do Sul isso se dá a partir de alguma altura
> de agosto ou início de setembro, conforme o ano) não se tem mais pinhões e
> não se tem nenhum produto plantado (as roças Kaingang eram milho, feijão e
> morangas/abóboras, que não se podem plantar senão quando o perigo das
> geadas já passou; portanto, plantam apenas a partir de setembro, e vão
> poder colher apenas de dezembro em diante).
> Assim, "prÿg", como estação, é a pré-primavera, mas também não corresponde
> ao inverno.
> Os sinais do "prÿg" são justamente o reinício das "atividades" dos
> micro-organismos, na terra (eles vêem isso por uns certos insetos ou
> corozinhos, no chão). Isso marca, então, o "início de um novo ano", de
> modo que dizer "ano", para os Kaingang, com o termo "prÿg", significava,
> no passado, dizer algo como "ano novo" no nosso calendário. Com a
> diferença que, no nosso calendário, essa data não tem significado
> relacionado ao ciclo da terra ou agrícola, mas para eles tinha. Hoje, os
> modernos Kaingang usam "prÿg" com sentido praticamente semelhante ao nosso
> de "ano" (pode ser falar, então, em "2007 prÿg" ).
> Não é demais lembrar que isso que estou dizendo não está nos dicionários,
> e boa parte da geração Kaingang mais jovem desconhece.
>
> Wilmar D'Angelis
>
>
> > Prezados colegas,
> >
> > Àqueles que se especializam nas línguas Jê do Sul (Kaingáng e Laklãnõ),
> > peço
> > que me ajudem a esclarecer uma dúvida. Nas fontes de que disponho
> > (dicionário de Wiesemann, para o Kaingáng; dissertação de Bublitz
> (1994),
> > para o Laklãnõ), a raiz prÿg/plõm é traduzida como "verão". Tenho razões
> > para crer que esta raiz é reflexo de Proto-Jê *prãm 'fome' (na minha
> > reconstrução) e que a conexão semântica pode, inclusive, ser corroborada
> > por
> > dados etnográficos.
> >
> > Mas, como "verão" e "inverno" podem significar coisas muito diferentes
> em
> > diferentes partes do país (e até mesmo dentro do mesmo dialeto),
> gostaria
> > de
> > saber qual o significado mais preciso do termo Kaingáng/Laklãnõ
> mencionado
> > acima. Mais precisamente, a que parte do ano se refere? Seria uma
> estação
> > seca ou chuvosa? Para aqueles que ficaram curiosos quanto às razões para
> > minhas perguntas, sugiro uma visita a meu blog (
> >
> http://kawina.wordpress.com/2007/10/09/the-season-of-hunger-a-note-on-historical-semantics/
> > ).
> >
> > Desde já, muito obrigado.
> >
> > Atenciosamente,
> >
> > Eduardo
> >
> > --
> > http://kawina.wordpress.com
> >
>
> --
> Wilmar R. D'Angelis
> Professor Doutor - Depto de Lingüística
> Instituto de Estudos da Linguagem - IEL
> UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas)
> Estado de São Paulo - Brasil
>
>  
>



-- 
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