Sotaques brasileiros

Victor Petrucci vicpetru at HOTMAIL.COM
Sat Nov 22 10:29:47 UTC 2008


Caro Beni e Eduardo
 
Realmente o tema é fascinante.
 
Vão aqui algumas observações de leigo. Morei em Portugal durante um tempo. Uma coisa me chamava a atenção. A pronuncia lusitana lisboeta em muitos instantes lembrava-me o falar nordestino, ambas caracterizadas pela pronúncia "aberta" das vogais. A par do contraste do já exaustivamente estudado caso do gerúndio algarvio e do restante de Portugal, no mais meus ouvidos não captavam grandes diferenças no falar. Provavelmente falta de treino meu. O Algarves teve forte herança árabe. O termo "algaravia" surge para descrever um falar confuse e incompreensível.  Poucos sabem mas em Portugal há um dialeto, neo-latino evidentemente, que se distancia bastante do português padrão. É provavelmente o único falar não "português" de Portugal: o "mirandês-do-douro". Creio eu muito próximo do leonês da Espanha. Fora este há, provavelmente, os "falares de contato" de Portugal com muitas outras províncias espanholas, o próprio falar do Algarves (que na época do descobrimento do Brasil tinha certa autonomia) e claro o resquício celta do norte de Portugal, origem do "galáico-português". Nessa região lusitana a substituição V por B é digna de destaque. Fora do continente há os falares típicos dos Açores (que influenciaram grandes áreas do RS e SC, contudo em datas mais recentes) e da ilha da Madeira.
 
Bem, todas esses falares vieram para cá influenciando, com maior ou menor intensidade, algumas regiões de nosso território.  Alguns autores dão como "perda" da pronúncia aberta das nossas vogais no centro-sul extamente o contato com a pronúncia fechada das línguas de origem tupi ou guarani. Por favor, corrijam-me se eu estiver errado. Isso creio eu deu o tom do sotaque brasileiro caipira; não exatamente uniforme (mineiro/paulista, goiano) matogrossense e por aí vai. Muito campo aberto para pesquisa. Relembro que durante mais de um século a linguagem doméstica na cidade de São Paulo de Piratininga era a língua geral paulista.
 
O autor citado pelo Eduardo Brian Head têm trabalhos muito interessantes em toda essa área cito dois: 
 
BRIAN HEAD, F. (1986). Relações entre a linguagem rural brasileira e a portuguesa. In: Simpósio sobre a diversidade lingüística no Brasil, I. Atas... Salvador: Universidade Federal da Bahia,  p.89-97.
 
BRIAN HEAD, F. (1996). A ‘troca do V pelo B’: uma alternância do norte de Portugal também encontrada no português popular do Brasil? Diacrítica, Braga, Centro de Estudos Humanísticos, n. 11, p.  767-782.
 
Certamente há muitos outros artigos e outros autores tratando do tema. Como o cotato africano em regiões de forte escravismo influenciou o português. O falar baiano é um exemplo dessa influência?
 
Um abraço a todos e espero que o debate continue.

Victor A. Petrucci Campinas - Brasil ---------------------------------------------------------- Visite meu site / Visit my site / Visite mi sitio http://geocities.com/indianlanguages_2000 530 línguas indígenas / lenguas indígenas / indigenous languages 28.000 palavras / palabras / words 



To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.brFrom: kariri at gmail.comDate: Fri, 21 Nov 2008 15:45:14 -0500Subject: Re: [etnolinguistica] Sotaques brasileiros



Prezado Beni,Obrigado por levantar este tema, de fato fascinante. Também andei matutando a respeito e cheguei mais ou menos à conclusão de que a raiz da diversidade dialetal do português brasileiro se deve mais à diversidade original do português trazido para cá (que não era homogêneo e muito menos padronizado) e às peculiaridades do povoamento das diversas regiões do país do que a fatores de substrato (ou seja, à influência de línguas que eram faladas antes da chegada do português). Talvez o desenvolvimento de línguas gerais baseadas no Tupí da Costa, e que acabaram sendo adotadas por todos os grupos étnicos que compunham a sociedade colonial na maior parte da América portuguesa, tenha prevenido que línguas indígenas regionais tivessem um impacto maior no português que, mais tarde, se tornaria a língua predominante.Não que eu tenha feito uma pesquisa aprofundada do assunto, levando em consideração todos os dialetos do português brasileiro. Meu interesse diz respeito principalmente ao chamado "dialeto caipira" (meu dialeto nativo), que é falado justamente em regiões colonizadas inicialmente pelos bandeirantes paulistas. Como estes falavam, então, a Língua Geral Paulista, uma pergunta natural seria se o dialeto caipira teria recebido uma influência Tupí maior (quando comparado com, digamos, o português do Rio).Por exemplo, seria o chamado "r caipira" (ou seja, a pronúncia retroflexa do "r" em posição de coda silábica), que é a característica mais marcante (e discriminada) do português caipira, um resquício de alguma língua indígena? Como a Língua Geral Paulista era difundida nestas regiões, seria o suspeito ideal. Mas é bastante improvável, não só porque o Tupí da Costa (e provavelmente suas descendentes, as línguas gerais) não tinha tal pronúncia, mas porque uma explicação interna é ainda mais plausível: o lingüista Brian Head, que foi professor da Unicamp e está agora, se não me engano, em Portugal, tem um artigo bastante interessante sobre o desenvolvimento do "r caipira" a partir de fatores internos do próprio português. [Vou ver se encontro o artigo por aqui, para aqueles que se interessarem.]Como tem sido demonstrado por vários autores (por exemplo, Naro & Scherre), muitas das características que se imaginam serem tipicamente brasileiras e até indício de "crioulização" em alguns dialetos do português brasileiro já ocorriam em Portugal, antes da "descoberta". Muitos são resultados de tendências características no desenvolvimento das línguas românicas, nos dois lados do Atlântico. No caso do dialeto caipira, os mesmos fatores que favoreceram no início o uso da Língua Geral Paulista (ou seja, isolamento, fluxo menor de imigrantes portugueses) favoreceram a preservação de arcaísmos e o desenvolvimento de características peculiares, longe das tendências padronizantes que porventura ocorressem na costa e na metrópole. Em um artigo que escrevi há algum tempo sobre o assunto, menciono uma coisa que sempre achei interessante, desde menino (já que, como descendente de mineiros e baianos, cresci em "lar bilingüe"): o português falado em regiões que sofreram miscigenação mais intensa tende a ser mais próximo ao "padrão". É que regiões de fácil acesso e economicamente prósperas (Belém e Salvador, por exemplo), que mais necessitaram mão-de-obra indígena ou africana, foram também as que mais atraíram um fluxo contínuo de imigrantes portugueses.É claro que, quando falo em "influências" acima, tenho em mente influências estruturais, na fonologia, na morfologia e na sintaxe (ou, até, na semântica). Neste aspecto, especificamente, não há nada que se possa em definitivo atribuir a influências indígenas. O léxico, naturalmente, é outra história. Além do número enorme de termos de origem Tupí que sobrevivem no português falado no país inteiro, há aqueles que tendem a ser mais comuns onde a influência cultural indígena teve um impacto maior -- a cultura caipira sendo uma delas. Mas isto, parece-me, não é o que vem à mente quando se fala em "sotaques diferentes".No caso do léxico, sim, acham-se exemplos de influências indígenas locais no português de certos lugares onde índios e não índios conviveram (ou ainda convivem). Por exemplo, em São Félix do Araguaia, não é incomum que um não índio use palavras Karajá como kòhã 'cachaça' ou kutura 'peixe'. E me lembro de um bate-papo com Lucy Seki, maior especialista em Krenák, em que ela mencionava o uso de palavras como curuca 'criança' no português de áreas tradicionalmente Krenák (cf. Krenák kruk) -- se não me falha a memória (é isso mesmo, Lucy?).Bem, espero que esta conversa não pare por aqui. Alguém saberia de exemplos de influências exercidas por línguas regionais em certos dialetos do português brasileiro?Abraços,Eduardo----- Original Message ----- From: Beni Borja - PsicotronicaTo: etnolinguistica at yahoogrupos.com.brSent: Thursday, November 20, 2008 8:52 AMSubject: [etnolinguistica] Sotaques brasileirosPrezados Professores, Doutores e Sabidos em geral,Com a cara-de pau que a internet me faculta , me atrevo a invadir esse espaço de doutas discussões para propor uma questão que me aflige.Sou um mero músico/ ompositor popular , leigo por completo nas artes e manhas da etno-linguística, mas um profundo curioso sobre a intercessão entre as linguas e a história.Num colóquio etílico recente com um amigo, discutíamos sobre os diversos sotaques do Brasil. Inspirado por Baco fiz a temerária afirmação que os nossos diversos sotaques regionais, tem sua gênese nas línguas indígenas faladas naquelas regiões antes do aparecimento do português.É com certeza uma afirmação que tem a leviandade típica dos ignorantes, que despreza a enorme complexidade da presença indígena antes da invasão portuguesa e as dificuldades de estabelecer um nexo causal entre o português falado hoje e as línguas faladas pelos índios.Mas não obstante essas dificuldades , teria a minha tese algum farrapo de evidência para sustentá-la??Agradecendo desde já a "ajuda dos universitários" que por ventura receba,abraçosBeni Borja 





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