Parkat êjê kryt 'nariz': cognatos em outras línguas Jê?

Eduardo Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Fri Aug 20 17:48:58 UTC 2010


Caros Nayara, Rafael e Solange,

Obrigadão!

Nayara: Fantástica esta história da palavra que os antigos Tapayúna usavam
para 'anta' (uhàtxi). Será que haveria cognatos dela em outras línguas da
família? Se a sílaba final (-txi) for o aumentativo, então a parte inicial
lembraria muito a palavra para 'queixada' em Jê Central (XER kuhâ, XAV
?uhâ). De qualquer forma, se TAP uhàtxi for de fato uma forma mais
conservadora, não descritiva, então seria mais provável encontrarmos
cognatos em outras famílias.

Rafael: Obrigado pelas intuições etimológicas -- muito plausíveis, na minha
opinião. Muitas hipóteses de possíveis etimologias ganham força quando
encontramos construções semanticamente semelhantes em outras famílias -- daí
a importância de compartilharmos nossas hipóteses. No caso da 'capivara', a
qualificação de 'velho' talvez tenha a ver com os bigodes? [em Xerente, o
qualificativo é dado à 'ariranha' -- talvez pela mesma razão?]. Uma outra
palavra para item da fauna, 'quati' (tanto em Jê Central, quanto em Jê do
Norte: XER wakõ, etc.), talvez tenha origem descritiva também, incluindo a
palavra para 'dente'. Mas, claro, aí já estou viajando (alguém saberia da
existência de um morfema *-kõ em Jê?).

Solange:  Talvez possamos comparar KNG òjor 'anta' com a forma TAP uhàtxi --
embora as
correspondências neste caso sejam muito menos claras. A palavra KNG para
'nariz', por outro lado, é a que se reconstrói para a proto-língua (cognata
da forma TAP mencionada pela Nayara -- a sílaba final observada nas línguas
Jê do Norte é, historicamente, a palavra para 'buraco', *krE). O
interessante é que, se as formas nos demais ramos da família forem
inovadoras, talvez as formas meridionais acabem sendo as mais conservadoras
(com prováveis cognatos nas demais famílias).

O uso generalizado de construções descritivas (em substituição, talvez, a
formas monomorfêmicas originais), como as sugeridas por Rafael, ajudaria a
explicar um fato que considero intrigante: embora animais como 'anta',
'capivara', 'guariba', etc. sejam comuns nos territórios ocupados por
falantes das diversas línguas do tronco, é difícil encontrar cognatos
plausíveis no nível do tronco (e mesmo no nível da família Jê). Uma
possibilidade, improvável, é que a proto-língua teria sido falada em
território radicalmente diferente (em termos da fauna de maior porte)
daqueles ocupados hoje pelas tribos Macro-Jê. Mas outra possibilidade, mais
plausível em minha opinião, é simplesmente que tais termos teriam sido
substituídos, talvez por tabu.** E é aí que informações como a fornecida por
Nayara, de palavras que teriam caído em desuso, desempenham um papel muito
importante.

Bem, continuo interessado em saber de possíveis cognatos, em outras línguas
Jê, da raiz PRK kryt 'nariz'!

Obrigado a todos, e abraços,

Eduardo

----
*Schultz, Harald. 1952. Vocabulário dos índios Umutina. Journal de la
Société
des Américanistes, N.S., 41:81-137.
http://biblio.etnolinguistica.org/schultz-1952-vocabulario

**Para exemplos de substituição, por termos descritivos, de palavras
tabuizadas,
vide o artigo de Aryon Rodrigues sobre o Xetá (1978):
http://biblio.etnolinguistica.org/rodrigues-1978-xeta


2010/8/20 Solange Gonçalves <solangeapg at gmail.com>

>
>
> Oi Eduardo
>
> Apesar dos Je meridionais terem algumas caracteristicas diferenciadas,
> envio o que temos no Kaingang para anta e nariz, que são respectivamente as
> palavras: ójor e nĩjẽ. Parecem bem diferentes ...Mas para capivara
> encontra-se a palavra krygnyg.
> Solange Gonçalves
>
>
> Em 19 de agosto de 2010 17:52, Eduardo Ribeiro <kariri at gmail.com>escreveu:
>
>
>>
>> Prezados,
>>
>> Venho, já há algum tempo, desconfiando que a palavra para 'anta' em
>> línguas Jê do Norte (e Central), reconstruída por Davis como *kukryt
>> para o Proto-Jê, é de fato morfologicamente complexa. Isto é sugerido,
>> por exemplo, pelos dados do Panará, em que a sílaba inicial não ocorre
>> (cf. Dourado 2001; um outro exemplo em que o Panará difere por não ter
>> a sílaba inicial ku- -- sendo, neste sentido, mais conservador que as
>> demais línguas da família -- é a palavra para 'fogo'; cf. Ribeiro
>> 2002).
>>
>> Uma hipótese em que andei pensando é que a palavra para 'anta' teria
>> sido, etimologicamente, de caráter descritivo. Marília Ferreira
>> documenta, em sua tese de doutorado, a forma kryt 'nariz' para o
>> Parkatêjê (Ferreira 2003). Talvez a palavra para 'anta' (PRK kukryt,
>> etc.) contenha este termo para parte do corpo; ou seja, por alusão a
>> uma de suas características físicas mais marcantes, a anta teria sido
>> chamada de 'o (animal do) kryt (grande)'.
>>
>> Esta hipótese é agora corroborada por um artigo de J. Pedro Viegas
>> Barros (Universidad de Buenos Aires), em que ele descreve uma
>> etimologia parecida para o termo para 'anta' na família Guaicurú ("La
>> etimología de 'tapir' en guaicurú", no prelo, apresentado no XII
>> Congreso de la Sociedad Argentina de Lingüística no último mês de
>> abril) -- neste caso, 'lábio superior'.
>>
>> Considerando-se que a palavra para 'nariz' reconstruível para o
>> Proto-Jê e atestada em outras famílias (Karajá, Boróro Ofayé,
>> Chiquitano) é outra (PJê *j-iNja, etc.), talvez kryt tenha tido
>> originalmente um significado diferente -- 'focinho'? 'lábio superior'?
>> Como não consegui encontrar, nas fontes de que disponho, possíveis
>> cognatos deste termo em outras línguas Jê, gostaria de pedir a ajuda
>> dos colegas que trabalham com línguas da família.
>>
>> Agradeço, desde já, por quaisquer informações que possam me fornecer.
>> Eu e Pedro Viegas estamos interessados, também, na ocorrência de
>> construções semanticamente semelhantes a estas para 'anta', envolvendo
>> partes do corpo ('nariz', 'lábio', etc.), em outras línguas do
>> continente.
>>
>> Abraços,
>>
>> Eduardo
>>
>> ------
>> Referências:
>>
>> Dourado, Luciana Gonçalves. 2001. Aspectos morfossintáticos da língua
>> Panará (Jê). Tese de Doutorado, Unicamp.
>> http://www.etnolinguistica.org/tese:dourado-2001
>>
>> Ferreira, Marília de Nazaré de Oliveira. 2003. Estudo morfossintático
>> da língua Parkatêjê. Tese de doutorado, Unicamp.
>> http://www.etnolinguistica.org/tese:ferreira_2003
>>
>> Ribeiro, Eduardo R. 2002. O marcador de posse alienável em Karirí: um
>> morfema Macro-Jê revisitado. LIAMES, 2.31-48.
>>
>
>  
>



-- 
Eduardo Rivail Ribeiro, lingüista
http://wado.us
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