RE: [etnolinguistica] 'Milho': difusão lexical?
Meira, S.
S.Meira at LET.LEIDENUNIV.NL
Thu Aug 14 12:14:17 UTC 2003
Prezado Eduardo e colegas,
em línguas Karíb, a palavra para 'milho' tem formas como as seguintes:
Tiriyó: aanai
Karihona: anatxi (tx = africada palatal, ch inglês)
Wayana: ehnai
Katxuyana: o'nasï (' = oclusão glotal)
Hixkaryana: nasïnasï (ï = i central)
Tamanaku: a'natxe
Kuikuro: ana
Aparentemente, deve-se reconstruir algo como *a'natxi ou *ahnatxi. A forma
Hixkaryana parece reduplicada (*ahnatxi-*ahnatxi > nasïnasï). Girard, em sua
reconstrução da fonologia do Proto-Karíb, sugere uma forma original mais
longa
(*acïnacV), aparentemente já reduplicada. Nesse caso, o Hixkaryana seria
relativamente conservador (o /n/ inicial poderia ser proto-Karíb, ou uma
inovação desta língua), e os segmentos glotais que ocorrem em outras
línguas resultariam de redução silábica (p.ex. *natxïnatxï > *(n)asnasï >
a'natxe, ou algo semelhante).
Este termo é tentadoramente parecido com o termo /maki/, /ma'i/ das línguas
Macro-Jê; mas o /n/ ao invés de /m/ precisa de uma explicação convincente,
o que significa que há mais trabalho comparativo a ser feito... Pelo menos,
o quadro comparativo na família Karíb sugere que, como o Eduardo antecipa,
não havia ditongo (o /ai/ ocorre como /asï/, /atxe/, etc.).
Em tempo: a opinião de Donahue sobre o francês "maïs" 'milho' ser
derivado de uma língua Karíb parece estar errada. Segundo as fontes
que encontrei (o Amerikanistisches Wörterbuch de Georg Friderici, e o
Oxford English Dictionary, etimologia do verbete "maize"), o termo foi
tomado de empréstimo a uma língua arawak. A primeira menção é de
1500, no diário de Colombo; a língua original foi provavelmente o Taino
('mahiz' ou 'mahís'). A confusão talvez se deva ao fato de que uma outra
possível língua-fonte é o "Caribe das Ilhas" (márichi 'milho'), que, apesar
do nome, é uma língua arawak (com uma grande influência caribe).
Estes termos parecem relacionáveis às formas Macro-Jê que o Eduardo cita.
Considero bastante intrigante a possibilidade de que as palavras
para "milho" sejam relacionadas de alguma maneira. A primeira idéia
que me ocorre é se não se poderia falar de alguma influência andina
+ difusão areal. No livro de Hubert & Reed, 'Vocabulario Comparativo:
palabras selectas de lenguas indígenas de Colombia', vejo, na página
162 (maíz), termos como o Kamsá "mátse", que parece relacionável ao
Macro-Jê, e alguns termos mais próximos ao Karíb, excetuando-se o
"k" inicial (línguas arawak: piapoco /kanái/, yucuna /kaxné/, cabiyari
/kahna/).
Sérgio Meira
(P.S.: As palavras Karíb mencionadas acima foram acrescentadas à lista do
Eduardo.)
Embora em algumas línguas as palavras para 'milho' sejam muito provavelmente
empréstimos recentes de uma língua Tupí-Guaraní (por exemplo, Krenák wati?,
Seki 2000:366), o mesmo não parece ser o caso do Karajá, do Purí e do
Karirí.
Donahue, um antropólogo que estudou os Karajá, chegou a aventar a hipótese
de
que a palavra Karajá fosse um empréstimo de uma língua européia (em última
instância, de origem Karib):
"The Karajá word for corn is mai, which happens also to be the French word
for
corn, both surely derived from maize, a word of Carib origin. It could well
be
that corn was introduced to the Karajá by Europeans after contact, an
interesting case of circuitous diffusion. If such an American staple of
corn
were introduced by Europeans, it might indicate that the Karajá have come to
horticulture quite a bit later than many other central Brazilian tribes."
[Donahue 1982: 83]
Se Donahue tivesse considerado a forma na fala feminina (maki), que é a fala
mais conservadora, talvez tivesse chegado a conclusão diferente. O que os
colegas que lidam com línguas Karib acham disso? Se as formas nas línguas
Karib contêm uma consoante quebrando o hiato (mahi, ma?i) talvez as palavras
Karajá, Purí e Karirí representem uma forma mais conservadora de uma palavra
cognata. Todas estas conjecturas, naturalmente, são apenas isto -
conjecturas -
até que haja mais dados para que a hipótese de difusão lexical seja
rejeitada
ou confirmada. Seria possível que, no final, tanto formas como maki, quanto
formas como awaci e congêneres, provenham da mesma fonte?
Desde já, muito obrigado aos colegas que responderem!
Cordialmente,
Eduardo
Referências:
Donahue Jr., George R. 1982. A Contribution to the Ethnography of the Karajá
Indians of Central Brazil. PhD dissertation. University of Virginia.
Seki, Lucy. 2000. Os Krenak (Botocudo Borum) e sua língua. In Actas del I
Congreso de Lenguas Indigenas de Sudamérica. Tomo I. Lima: Universidad
Ricardo
Palma.
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Eduardo Rivail Ribeiro
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