[etnolinguistica] =?x-user-defined?Q?Sobre_a_suposta_origem_Tupi_dos_pronomes_do_Pirah=E3?=
Eduardo Rivail Ribeiro
erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Sun Feb 8 03:09:44 UTC 2004
Prezados colegas,
Concordo que o trabalho de Gordon é, de fato, interessante. Eu creio que trabalhos como este (vide, por exemplo, o estudo de John Lucy, da Universidade de Chicago, sobre número em Jacaltec) apresentam as melhores perspectivas para se testar cientificamente as relações entre língua e cognição, em geral, e a hipótese Sapir-Whorf, em particular -- mais do que quaisquer abordagens lexicocêntricas, baseadas em informações anedóticas a respeito de quantas palavras para 'neve' uma determinada língua tem...
Eu seria um pouco mais cauteloso, no entanto, com relação à suposta 'falta de pronomes' em Pirahã, que Daniel Everett menciona em sua última mensagem. Daniel refere-se à idéia de acordo com a qual "os pronomes do Pirahã foram emprestados do Tupi", uma hipótese que ele apresenta com detalhes em artigo escrito em co-autoria com Sarah Thomason, intitulado "Pronoun borrowing". Eu assisti à apresentação deste trabalho por Sarah Thomason em Berkeley, em 2001, e a as evidências apresentadas então me pareceram pouco convincentes -- e continuam sendo ainda hoje.
Esta hipótese esbarra em vários obstáculos, muitos dos quais são mencionados pelos próprios autores. O principal deles, na minha opinião, é a falta de evidências histórico-comparativas: dada a escassez de dados de outras línguas da família, não há qualquer evidência comparativa que sugira a inexistência de pronomes em uma fase anterior da língua Pirahã, ou que sugira mudança lingüística motivada por contato. Como o artigo tem um tom muito mais cauteloso do que a afirmação de Everett reproduzida acima, eu sugeriria aos colegas interessados que o lessem e tirassem suas próprias conclusões (vide referências abaixo).
A estes senões, eu acrescentaria outros. Por exemplo, dos três pronomes Pirahã que teriam sido supostamente emprestados do Tupi, pelo menos um, hi 'terceira pessoa', é um pan-americanismo bastante comum. (Um colega meu disse, de brincadeira, que poderia ser também um empréstimo do inglês, já que os Pirahã parecem estar em contato constante com missionários americanos...). É provável que outros colegas encontrem semelhanças fortuitas deste tipo entre os demais pronomes do Pirahã ([txi] 'primeira pessoa', [ni] 'segunda pessoa') e pronomes em outras línguas.
Creio que poucos discordarão da tese central do artigo: "the crucial point [...] is that social factors, not linguistic ones, determine the likelihood of pronoun borrowing." Obviamente, fatores sociais determinam, em última instância, a probabilidade de empréstimo de qualquer elemento lingüístico (sejam pronomes, verbos, fonemas, nomes próprios, esquemas classificatórios etc.). Mas, curiosamente, é justamente nesta área que os argumentos em favor da hipótese de origem Tupi dos pronomes Pirahã são mais tênues.
Além dos três pronomes, o artigo não apresenta qualquer evidência de contato lingüístico íntimo entre o Pirahã e línguas Tupí-Guaraní. Se uma língua chega a tomar pronomes de empréstimo, seria de se esperar que tal língua apresentasse um número considerável de empréstimos também em outras áreas do léxico. Mas este não parece ser o caso, como os autores admitem: "we have no evidence (yet) of other borrowings in Pirahã from Tupí-Guaraní." Isto é no mínimo curioso, porque, em grande parte das terras baixas da América do Sul, é de fato difícil encontrar uma língua em que não haja qualquer empréstimo lexical Tupí-Guaraní, especialmente com relação a itens da cultura material, difundidos via Língua Geral... (acabei de contar, na minha caixa de sapato: o Karirí tem mais de vinte!).
Como vários autores (mencionados no artigo) demonstram, casos isolados de empréstimos pronominais vêm sendo amplamente documentados. O exemplo do Pirahã, neste artigo, é apresentado como argumento central para a interessante tese de que não apenas pronomes isolados, mas sistemas pronominais inteiros, podem ser emprestados, desde que se encontrem as devidas motivações sociais. É uma pena que este seja justamente o exemplo menos convincente do artigo.
Eu daria o meu braço a torcer, naturalmente, se os autores pudessem apresentar evidências adicionais que, por uma razão ou outra, não puderam ser incluídas no referido artigo.
Um cordial abraço,
Eduardo
Referências:
Lucy, John. 1992. Grammatical Categories and Cognition: A Case Study of the Linguistic Relativity Hypothesis. Cambridge: Cambridge University Press.
Thomason, Sarah & Everett, Daniel. 2001. Pronoun borrowing. BLS 28. Disponível no endereço seguinte:
http://ling.man.ac.uk/info/staff/de/pronborr.pdf
----- Original Message -----
From: Daniel Everett
To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br
Sent: Saturday, February 07, 2004 11:58 AM
Subject: Re: [etnolinguistica] nuevo texto: "Numerical cognition without words"
O texto do Gordon e muito interessante mesmo. Peter foi tres vezes para
a area dos Piraha e desenvolveu uma relacao extremamente positiva com
eles.
A falta de numeros e a suas implicacoes culturais estao tambem
focalizados num trabalho meu em andamento, em que considero a falta de
numeros, de cores, de pronomes (os pronomes do Piraha foram emprestados
do Tupi) e outros elementos gramaticais e as suas implicacoes culturais
e cognitivos.
Alguns dados mais sobre os numeros sao acessiveis pelo site do
congresso sobre numeros nas linguas do mundo no Max Planck em Leipzig:
http://monolith.eva.mpg.de/~gil/numerals/
Abracos,
Daniel
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