[etnolinguistica] Sumarã, 'inimigo': Tupi or not Tupi?*

Pedro Viegas Barros peviegas2003 at YAHOO.COM.BR
Thu Feb 26 21:15:56 UTC 2004


Estimado Eduardo:



            Tal vez pueda resultarle de algún interés el hecho de que los dos etnónimos Karirí de origen Tupí-Guaraní que Ud. menciona, también hayan llegado –a través de cadenas de préstamos-- a lenguas geográficamente tan alejadas como las de la Patagonia.

Del Guaraní proviene (como ya fue establecido por Harrington 1946: 249) la forma Gününa Küne (Casamiquela 1983: 131) káddaj, qáddaj ‘cristiano, gringo’. Los representantes más septentrionales de la “Nación de los Pampas” se llamaban, de acuerdo a las Cartas Anuas redactadas por el misionero jesuita Pedro Lozano entre 1735 y 1743, Puelches Carayhet (o Carayhel) lo que significaría “Puelches que están cercanos a los españoles” (Furlong 1938: 34; el término puelche significa ‘gente oriental’ en Mapudungun y cuando se aplicaba en el siglo XVIII a habitantes indígenas de la región pampeana se refería muy posiblemente a los Gününa Küne). Del Gününa Küne el término pasó al Teushen (Orbigny, en La Grasserie 1906: 614, 622) caadi ‘hommes blancs, Européens’, ‘les blancs’ y al Tehuelche qa:de, qade ‘hombre blanco’. Un paso intermedio entre el Guaraní y el Gunüna Küne puede estar representado por la forma registrada a orillas del Río de la Plata a mediados del siglo XVI caudy, glosada por André
 Thevet “traistre” (= francés moderno “traire” ‘traidor’), en una frase: caudy caudy vvuahiph gomálat “o traistre, traistre, il vous fault assomer” [‘oh traidor, traidor, es necesario matarte’] (Lehmann-Nitsche 1938), frase que presuntamente pertenecería a la desconocida lengua Querandí, y en la que caudy más que ‘traidor’ podría haber significado ‘enemigo’ u ‘hombre blanco’ (según Casamiquela 1969: 69-70).

También del Guaraní proviene el Mapudungun dialectal argentino (Rosas 1947 [1825]: 193) tapallo ‘negro’, (Escalada 1949: 191) tapayo ‘esclavo (cautivo)’, (Casamiquela 1965: 92, nota 16) tapaiu ‘negro (africano)’. Del Mapudungun esta palabra pasó, a su vez, al Teushen (Malaspina, en Outes 1913: 487) tapayo, (Elizalde en Vignati 1940: 201) tapuyi ‘esclavo’, y al Tehuelche (Escalada loc. cit.) tápai ‘esclavo (cautivo)’, (Casamiquela loc. cit.) tapëskës ‘negro (africano)’. Tanto Escalada como Casamiquela señalaron el origen Mapudungun del término Tehuelche; pero se equivoca el último autor al suponer (Casamiquela 1991: 59) que la voz Mapudungun provendría del Español tapado.

         De tal manera, parece ser que los dos etnónimos de origen Tupí-Guaraní mencionados han llegado hasta las zonas más remotas de América del Sur (por lo menos, hasta el Estrecho de Magallanes).



Sin más por el momento, me despido hasta una nueva ocasión con un abrazo cordial.



J. Pedro Viegas Barros





Referencias



Casamiquela, Rodolfo M. 1965. Rectificaciones y ratificaciones. Hacia una interpretación definitiva del panorama etnológico de la Patagonia y área septentrional adyacente, Cuadernos del Sur, Bahía Blanca: Universidad Nacional del Sur.



--------------------------. 1969. Un nuevo panorama etnológico del área pan-pampeana y patagónica adyacente. Pruebas etnohistóricas de la filiación tehuelche septentrional de los querandíes. Santiago de Chile: Dirección Nacional de Museos.



--------------------------. 1983. Nociones de gramática del gününa küne, París: Centre National de la Recherche Scientifique-P.U.F.



--------------------------. 1991. Bosquejo de una etnología de la Patagonia austral, Waxen, Río Gallegos: Universidad Federal de la Patagonia Austral, año 6, Nº 3: 41-80.



Escalada, Federico. 1949. El complejo "Tehuelche". Estudios de etnografía patagónica, Buenos Aires: Coni.



Furlong, Guillermo. 1938. Entre los Pampas de Buenos Aires, Buenos Aires: Talleres Gráficos "San Pablo".



Harrington, Tomás. 1946. Contribución al estudio del Indio Gününa Küne, Revista del Museo de La Plata (Nva. Serie), 2, La Plata: 237-75.



La Grasserie, Raoul de. 1906. De la langue tehuelche, Actes du 14 Congres Internationale des Américanistes, Stuttgart: 611-47.



Lehmann-Nitsche, Robert. 1938. Una excursión desconocida del año 1547 a la costa patagónica, La Prensa, Buenos Aires, 6 de marzo.



Outes, Félix F. 1913. Vocabularios inéditos del patagón antiguo, con introducción, Revista de la Universidad de Buenos Aires, 21-22, Buenos Aires: 474-94.



Rosas, Juan Manuel de. 1947. Gramática y diccionario de la lengua pampa (pampa-ranquel-araucano). Edición y notas de Oscar R. Suárez Caviglia y Enrique Stieben. Prólogo de Manuel Gálvez. Buenos Aires: Ed. Albatros.



Vignati, Milcíades Alejo. 1940. Materiales para la lingüística patagona. El vocabulario de Elizalde, Boletín de la Academia Argentina de Letras, 8 (30), Buenos Aires: 159-202.


Eduardo Rivail Ribeiro <erribeir at midway.uchicago.edu> wrote:Prezados colegas,

Estudando o léxico Kariri, venho deparando com vários empréstimos de origem Tupi-Guarani. Isto, naturalmente, não é nada surpreendente, dada a ampla utilização do 'Tupi da costa' e das Línguas Gerais como línguas francas nos primeiros séculos da colonização (cf. Rodrigues, 'As línguas gerais sul-americanas'; vide referência abaixo) e o fato de que a grande maioria destes empréstimos se refere a itens introduzidos com a chegada dos portugueses ao Brasil.

Estes empréstimos incluem termos relativos à catequese (waré 'padre', crusá 'cruz', tupã 'Deus'), ferramentas e utensílios (tasi 'enxada', awi 'agulha', cramemu 'caixa', pyca 'banco', waruá 'espelho'), plantas e animais (bacobá 'banana', curé 'porco', sabucá 'galinha'), etnônimos (caraí 'homem branco', tapanhu 'negro) e outros elementos estrangeiros (miapé 'pão', tayu 'dinheiro'), etc. Mesmo alguns termos de origem portuguesa podem ter ingressado no léxico Kariri por intermédio de uma língua Tupi-Guarani (como, por exemplo, cabaru 'cavalo' e cabara 'cabra').

Estes termos parecem perfeitamente adaptados à morfologia Kariri (por exemplo, as palavras tayu 'dinheiro', awi 'agulha' e tasi 'enxada', ocorrem, quando possuídas, com o prefixo u-, provável cognato de um morfema que marca posse alienável em outras línguas Macro-Jê).  Termos como estes são facilmente encontráveis em várias línguas não-Tupi, incluindo várias línguas Macro-Jê, como o Krenak e o Maxakali.

A identificação da origem de alguns prováveis empréstimos, no entanto, não é tão simples. Um deles é gorá 'negro', que eu discuti em mensagem enviada à lista há alguns meses. Este termo, usado exclusivamente como etnônimo (portanto, um conceito introduzido com a colonização), ocorre também em Borum (Botocudo, Krenák): hinkora, hingora 'negro' (Rudolph 1909:9). Se possível, ficaria grato se alguém pudesse me fornecer respostas para as perguntas que fiz na mensagem referida acima: alguém teria alguma idéia quanto à origem desta palavra?  Seria mesmo de origem portuguesa (em última instância), como sugerido anteriormente (por Paula Martins)? Ocorreria em alguma outra língua?

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Um outro caso interessante (e, até agora, problemático) é a palavra Kariri s-u-marã 'inimigo (dele)', que é aparentemente idêntica ao Tupi Antigo sumarã 'inimigo' (Barbosa 1956:114). Enquanto a consoante inicial parece ser parte da raiz em Tupi Antigo (de acordo com a descrição do Pe. Lemos Barbosa), em Karirí é claramente um prefixo. Nesta língua, a forma de citação é marã 'inimigo'; a forma com o prefixo u- ocorre quando a raiz é possuída; s- é uma marca de terceira pessoa (cf. dz-u-marã 'meu inimigo', c-u-marã 'nosso inimigo', d-u-marã 'seu (próprio) inimigo').

O fato de que a palavra é morfologicamente analisável em Kariri, mas não em Tupi, parece apontar para o Kariri como sendo a língua de origem. Mas, complicando um pouco a situação, ocorre também em Tupi a raiz verbal marã 'guerrear'. Em Karirí, a forma para 'guerrear' é maridza, relacionada provavelmente à forma nominal marã (parece haver um sufixo verbalizador -i em Kariri, muito pouco produtivo; -dza é provavelmente o prefixo pluralizador).  Mas, não obstante este fato, critérios morfológicos pareceriam indicar o Kariri como sendo a língua-fonte desta palavra, já que s- e u- são morfemas bastante produtivos nesta língua (não sendo segmentáveis no exemplo Tupi, aparentemente).**

Para solucionar este 'quebra-cabeça' etimológico, recorro, mais uma vez, aos colegas tupinistas da Etnolingüística. Se sumarã pode ser reconstruído para o Proto-Tupi-Guarani (ou mesmo para o Proto-Tupi), ou se esta palavra ocorre em várias línguas da família para as quais não há evidências de contato com o Kariri, é claro que a hipótese de origem Kariri não se sustenta.  Seja qual for a solução do problema, o resultado será igualmente interessante: (1) se a palavra é, de fato, de origem Kariri, este seria um dos raros exemplos de empréstimos 'na contramão', já que em geral foram as línguas Tupi-Guarani do leste brasileiro que agiram tradicionalmente como 'exportadores lexicais'; também seria uma testemunha interessante para o tipo de relações mantidas entre os Tupi e os Kariri; (2) se a palavra não é de origem Kariri, este caso demonstraria o quão produtivo o prefixo u- era, constituindo um exemplo interessante de  'etimologia popular'.

Desde já, fico muito grato por quaisquer sugestões!

Abraços,

Eduardo


Referências

Barbosa, A. Lemos. 1956. Curso de Tupi Antigo. Rio de Janeiro: Livraria São José.
Rodrigues, Aryon. As línguas gerais sul-americanas. Disponível no endereço http://www.unb.br/il/lali/lingerais.htm
Rudolph, Bruno. 1909. Wörterbuch der Botokudensprache. Hamburg: Fr. W. Thaden.



Notas

*Quanto ao título desta mensagem, desculpem, mas não pude resistir...
**Em princípio, isto é o que se esperaria. 'Transparência etimológica' é geralmente um dos critérios para se determinar a língua de origem de um provável empréstimo.  Mas alguns exemplos sugerem cautela. Em Karajá, o termo para 'dever, dívida' é d-ewe. Trata-se obviamente de um empréstimo do português mas, por analogia com várias palavras nativas, como d-èbò 'mão', d-ùra 'penugem' etc., a primeira consoante foi reanalisada como um prefixo.




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"[...] genetic prehistory is not the only kind of linguistic prehistory.  In terms of the overall prehistory of unwritten languages it is as rewarding to uncover evidence of earlier contact as it is to find evidence of genetic relationship."
(Mary Haas, The Prehistory of Languages)




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