Carta de Dourados

Wilmar R. D'Angelis dangelis at UNICAMP.BR
Wed Jun 16 23:56:50 UTC 2010


Colegas da lista

realizamos, na última semana de maio, o VIII Encontro sobre Leitura e
Escrita em Sociedades Indígenas, na UFGD, em Dourados, reunindo mais de
250 participantes, indígenas e não indígenas, educadores e consultores de
programas de educação escolar indígena e de formação de professores
índios.
Nesse encontro foi redigida, amplamente discutida e aprovada uma
declaração final, apontando rumos para correção e melhoria das políticas
públicas a respeito da educação escolar indígena, consignadas no que
chamamos "Carta de Dourados". A pedido dos participantes, disponibilizo-a
(abaixo) a íntegra daquele documento aos integrantes dessa lista, muitos
dos quais envolvidos em iniciativas nessa área.
Atenciosamente

Wilmar R. D'Angelis
co-Coordenador do VIII ELESI

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VIII ENCONTRO SOBRE LEITURA E ESCRITA EM SOCIEDADES INDÍGENAS

CARTA DE DOURADOS


Os professores indígenas representantes dos povos Marubo, Kaingang,
Ticuna, Pataxó, Munduruku, Xerente, Guarani Mbya, Guarani Kaiowá, Guarani
Nhandeva, Tupi-Guaraní, Umutina, Kaxinauwá e Terena, participantes do VIII
ENCONTRO SOBRE LEITURA E ESCRITA NAS SOCIEDADES INDÍGENAS, realizado na
cidade de Dourados no período de 24 a 28 de maio de 2010, considerando:

- A trajetória histórica dos Encontros sobre Leitura e Escrita como espaço
de discussão, de intercâmbio, de construção de alternativas para as
práticas pedagógicas da educação escolar indígena e sua grande
contribuição na definição e consolidação de diretrizes da educação
diferenciada dos povos indígenas;

- As dificuldades e os desafios enfrentados pelas escolas indígenas,
apesar dos avanços da legislação que garante o direito à autonomia das
escolas e dos processos educativos próprios e  a constante luta dos povos;

- A persistência de políticas de educação em muitos munícipios e estados
que não respeitam os direitos assegurados na legislação, os interesses e
as iniciativas das comunidades indígenas;

- A situação de negligência e abandono que predomina em muitas estados e
municipios onde permanecem a falta de condições de funcionamento das
escolas, a falta de  material didático apropriado, o desrespeito aos
professores, aos processos próprios de aprendizagem, e as decisões das
comunidades;

- A falta de divulgação nas comunidades e nas escolas indígenas do
Documento Final da I Conferência Nacional de Educação Escolar Indígena, e
a necessidade de que o MEC realize os encaminhamentos necessários para
atender as principais deliberações aprovadas pelos povos indígenas;

Reivindicam:

1) Que o MEC agilize o processo de discussão para implantação do Sistema
Próprio de Educação dos Povos Indígenas conforme deliberação da I CONEEI,
constituindo um Grupo de Trabalho com a participação majoritária de
representantes dos Povos Indígenas;

2) Que no processo de discussão do Sistema Próprio de Educação dos Povos
Indígenas sejam contemplados e incentivados os encaminhamentos sobre a
implementação da categoria professor indígena, de forma que os órgãos
responsáveis atendam as reivindicações e as especificidades dos povos de
acordo com suas realidades;

3) Que o programa de publicações do MEC e os porventura existentes nos
estados e nos municípios sejam ampliados de forma que sejam atendidas as
demandas dos povos indígenas, para diferentes formatos (livros, materiais
audiovisuais, e outros);

4) Que os Órgãos Federais promovam a divulgação e o conhecimento acerca
das experiências e das práticas pedagógicas das escolas indígenas
incentivando o registro e o intercâmbio entre as mesmas, com a publicação
de “cadernos de práticas pedagógicas indígenas”;

5) Que os Órgãos responsáveis pela educação promovam, em entendimento com
os povos indígenas, a realização de oficinas de formação sobre o uso de
tecnologias da informação aplicadas à educação escolar indígena;

6) Que seja assegurado pelas instâncias responsáveis da Educação Escolar
Indígena a realização de encontros para discussão e produção de materiais
didáticos com a realização de oficinas para produção gráfica, e a
disponibilização de equipamentos (computador, scanners, impressoras,
câmeras digitais, entre outros) para o processo de criação pelos
professores indígenas;

7) Necessária e urgente uma avaliação ampla e aberta da política de
publicações do MEC nos últimos 8 (oito) anos, e a elaboração, com
participação representativa dos alunos de todas as licenciaturas indígenas
existentes no país, de uma política de publicações transparente, com
princípios e critérios explícitos, de modo a atender as demandas dos povos
indígenas, para diferentes formatos, com financiamento público, e com
abertura a todas as parcerias de interesse indígena;

8) Que a Comissão Nacional de Educação Escolar Indígena no MEC seja
ampliada, e seus representantes sejam escolhidos por Estado, com a
concordância dos povos, e que seja oferecido condições de mobilização de
seus membros para divulgarem as decisões e discutirem com as comunidades;

9) Que as formas de avaliação adotadas pelos governos estaduais,
municipais e governo Federal sobre a educação básica (a exemplo da
Provinha Brasil) não sejam aplicadas nas escolas indígenas, sendo
respeitada a legislação que garante a educação diferenciada aos povos
indígenas;

10) Que o Ministério das Comunicações, juntamente com o MEC e a FUNAI,
realize entendimentos com encaminhamentos concretos para a inclusão
digital das escolas indígenas atendendo as necessidades de valorização das
línguas maternas, as propostas político pedagógicas das escolas e os
projetos societários.

11) Que o MEC, FUNAI, universidades,  as organizações dos professores
indígenas e  as entidades preocupadas com a situação das línguas indígenas
brasileiras se articulem no sentido de realizar um encontro nacional para
discutir as políticas lingüísticas no país;

12) Enquanto não exista o Sistema Próprio de Educação Escolar Indígena,
que todos os estados brasileiros, em especial, o Estado do Mato Grosso do
Sul coloque em prática a legislação indígena vigente no país, através de
acompanhamento sistemático, respeitando os Parâmetros Curriculares
Nacional da Educação Escolar Indígena;

13) Que os governos garantam a demarcação da terras indígenas, pois sem a
mesma é impossível reproduzir a cultura e os saberes indígenas;

14) Que todas as ações do MEC referentes à educação escolar indígena sejam
deliberadas após ampla divulgação e consulta aos agentes envolvidos e
interessados, especialmente as comunidades indígenas.


Dourados-MS, 24 a 28 de maio de 2010.




-- 
Wilmar R. D'Angelis
Professor Doutor - Depto de Lingüística
Instituto de Estudos da Linguagem - IEL
UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas)
Estado de São Paulo - Brasil

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