Epifenomenalidade, etc.

Eduardo R. Ribeiro kariri at GMAIL.COM
Tue Mar 16 20:56:46 UTC 2010


Prezados,

Gostaria de agradecer ao Andrés pela disponibilização de seus artigos. 
Aproveitando a ocasião, gostaria de esclarecer o que parece ser uma 
interpretação equivocada do que eu escrevi 
(http://www.wado.us/paper:ergatividade). Refiro-me ao seguinte trecho do 
artigo do Andrés sobre a ergatividade em Mebengokre 
(http://www.etnolinguistica.org/artigo:salanova-2009):

"Até agora o que temos feito não foi mais do que afirmar que todas as 
construções ergativas em M~ebengokre têm na sua raiz uma oração subordinada 
de caráter nominal. Este ponto não é novo no que diz respeito às línguas 
amazônicas, e inclusive é possível encontrar na literatura a posição em que 
o fato de que haja nominalização
explica ou descarta a ergatividade oracional. Esta posição é articulada com 
respeito às línguas Jê setentrionais por Ribeiro (2004), que descreve a 
ergatividade em Jê setentrional como sendo epifenomenal, por estar ligada à 
nominalização. Tal afirmação parte de duas premissas: (1) que a ergatividade 
nominal deve ser considerada um fenômeno diferente de outros tipos de 
ergatividade, e (2) que o motivo pelo qual as nominalizações são ergativas é 
conhecido, e não precisa ser explicado. Ambas premissas devem ser 
questionadas."

Concordo plenamente que estas premissas dever ser questionadas -- mas não 
são MINHAS premissas. Não há nada nas notas que escrevi que implique isso. 
Minhas notas têm um propósito muito simples, modesto até: sugerir que todas 
as propriedades das construções ergativas nestas línguas remontam a (e são 
ainda explicáveis por) um único fato: o caráter nominal das construções em 
que ocorrem. Por mais óbvio que isto pareça, não havia recebido devida 
atenção antes (por exemplo, não é sequer cogitado em Reis Silva & Salanova 
2000).  Se qualifico este tipo de ergatividade como epifenomenal, é porque, 
geralmente, quando se fala em alinhamento sintático, não se fala na 
estrutura interna de sintagmas nominais (que é o caso aqui). Repetindo o que 
escrevi em outra mensagem (http://lista.etnolinguistica.org/2419),

"não digo que ergatividade, para ser ergatividade,
tem que ser sintática. Entendo, como [Andrés] explica, a raridade da 
ergatividade sintática (e não é à toa que, no tronco Macro-Jê inteiro, só 
haja o Karirí). E não digo que a ergatividade em Jê seja menos legítima que 
em outros lugares.  Quando digo que é epifenomenal, é simplesmente porque 
ainda, sincronicamente, continua ocorrendo somente com formas nominais do 
verbo. Se estas formas foram reanalizadas como formas verbais, aí são outros 
quinhentos. Mas há argumentos para isto? Talvez, nas várias outras línguas 
em que ergatividade tenha uma origem em nominalizações, tenha havido um 
passo a mais, em que tais construções se tornariam a forma canônica e se 
estenderiam para contextos não nominais."

Resta explicar, como diz o Andrés, o porque do caráter absolutivo das 
construções deverbais nessa e em outras línguas. Mas, antes, era necessário 
demonstrar que as construções ergativas em questão ocorriam em ambientes de 
nominalização -- o que, aparentemente, não havia sido notado por muitos até 
então.

Estive pensando, agora, num outro sentido em que o conceito de 
"epifenomenalidade" pode ser útil em lingüística histórica. Construções 
assim parecem ter pouca profundidade temporal, o que torna difícil 
determinar até que ponto elas podem ser reconstruídas como tais. No caso da 
família Jê -- e, particularmente, das línguas Jê Centrais e do Norte --, os 
ingredientes para a ergatividade são claramente reconstruíveis: a distinção 
nome vs. verbo, a existência da nominalização lexical como principal 
mecanismo de subordinação, e a posposição genitiva (?). Dados os mesmos 
ingredientes, sob circunstâncias parecidas, não seria possível que 
construções ergativas surgissem independentemente em diferentes línguas?

Um exemplo mais simples para demonstrar o que tenho em mente é a construção 
de futuro em línguas Jê Setentrionais e em Djeoromitxí (família Jabutí). Em 
ambos os casos, a posposição dativa (mã em Jê, ma em Djeoromitxí) é posposta 
ao verbo para a formação do futuro. Nada surpreendente, atestado também em 
várias outras famílias. Embora as posposições nas duas famílias sejam 
cognatas, a construção do futuro não é necessariamente reconstruível para o 
Proto-Macro-Jê, já que poderia ter se desenvolvido independentemente nas 
duas famílias.

E, por falar nisso, alguém saberia me dizer se o futuro perifrástico em 
português, espanhol etc. é reconstruível para o Proto-Romance?

Abraços,

Eduardo 

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