Epifenomenalidade, etc.

Andrés Pablo Salanova kaitire at GMAIL.COM
Tue Mar 16 22:23:04 UTC 2010


Oi Eduardo:
	A verdade é que, até onde sei, a idéia provém da tese de Spike Gildea  
(para as línguas Carib, é claro, mas os paralelos com Jê são  
surpreendentes), um trabalho que me influenciou muito quando eu ainda  
estava no Museu Nacional. No trabalho de 2000 (que foi escrito em  
1997, quando ainda tentava acreditar na sintaxe funcionalista) eu e  
Amélia sugerimos, sem tratar, a possibilidade de que sincronicamente  
há subordinação quando se usam certos "marcadores aspectuais":
p. 11: "Es discutible si en (13b) el núcleo es de hecho el verbo. En  
estas construcciones, en que un predicado es seguido de una adposición  
sin ser necesariamente subordinado a otra oración (cf. 12a), el verbo  
parece de hecho ser el complemento. No discutiremos esto aquí."
	Em um trabalho de 1998, que infelizmente perdi (mas cujos argumentos  
creio ter reconstruido na tese), fiz o mesmo para a negação.
	Na última vez que conversei com Spike sobre o assunto, ele afirmou  
que "é ÓBVIO que a ergatividade em Jê vem das nominalizações", e  
completou isto com um "é ABSURDO supor que há nominalizações ai  
sincronicamente, X (aluna minha) acredita(va?) isso e eu discuti muito  
com ela tentando dissuadi-la". Na tese, eu consegui me convencer  
(evidentemente não a todos, mas até agora não sei se as razões disto  
são realmente racionais) que não há motivos para supor que as  
nominalizações ficaram atrás na história do Jê setentrional, pois elas  
se comportam sincronicamente como qualquer outro predicado nominal.
	Por outro lado, como disse em uma mensagem anterior, não sei se  
podemos separar claramente "nominalizações" de "formas não finitas" (o  
termo usado no trabalho de 2000)* nas línguas Jê, já que de modo geral  
adjetivos e substantivos não são claramente diferenciáveis. O vínculo  
entre FNF (particípios em particular) e ergatividade não recebeu tanta  
atenção como o que há entre nominalizações e ergatividade, mas acho  
que é da mesma natureza (dai os exemplos da ergatividade no francês, e  
a menção às línguas indo-árias). Em uma língua em que "krare" quer  
dizer tanto "filho (N)" como "com filho (Adj)", não é extranho que  
"te~m" queira dizer tanto "a ida (N)" quanto "ido (Part)".
	Em qualquer caso não era a minha intenção no artigo supor que você  
disse coisas que não disse, só dar um pouco de conteúdo a certas  
afirmações que podem ser interpretadas de muitas maneiras (e,  
evidentemente, eu prefiro a interpretação sincrônica; diacrônicamente,  
tudo é um epifenômeno). Acho útil explicitar estas discussões que  
fizeram parte do nosso clima intelectual compartilhado, mas que seriam  
difíceis de reconstruir a partir do que saiu publicado.
	Até,
		Andrés

* NB que se substituirmos "finitud" por "nominalidad" na conclusão de  
RS&S 2000, diz mais ou menos o que ambos estamos dizendo agora: "es la  
finitud del núcleo [...] la que determina la aparición de estructuras  
ergativas[.] [T]enemos que hallar aún una explicación que vincule no  
finitud a la obligatoriedad de tales estructuras." Sempre hesitei  
entre chamar as "formas longas" de "formas não-finitas" ou "formas  
nominais", mas na verdade esta é uma questão meramente terminológica,  
não uma distinção real nas línguas Jê. Em algum momento (2000),  
conversando com Cristiane, defendi a escolha de "não-finitas"  
simplesmente porque acreditava que elas faziam parte do paradigma dos  
verbos, e "nominalização" sugeria ao contrário que elas surgiam por um  
processo derivacional.

On 16/03/2010, at 16:56, Eduardo R. Ribeiro wrote:

> Prezados,
>
> Gostaria de agradecer ao Andrés pela disponibilização de seus artigos.
> Aproveitando a ocasião, gostaria de esclarecer o que parece ser uma
> interpretação equivocada do que eu escrevi
> (http://www.wado.us/paper:ergatividade). Refiro-me ao seguinte  
> trecho do
> artigo do Andrés sobre a ergatividade em Mebengokre
> (http://www.etnolinguistica.org/artigo:salanova-2009):
>
> "Até agora o que temos feito não foi mais do que afirmar que todas as
> construções ergativas em M~ebengokre têm na sua raiz uma oração  
> subordinada
> de caráter nominal. Este ponto não é novo no que diz respeito às  
> línguas
> amazônicas, e inclusive é possível encontrar na literatura a posição  
> em que
> o fato de que haja nominalização
> explica ou descarta a ergatividade oracional. Esta posição é  
> articulada com
> respeito às línguas Jê setentrionais por Ribeiro (2004), que  
> descreve a
> ergatividade em Jê setentrional como sendo epifenomenal, por estar  
> ligada à
> nominalização. Tal afirmação parte de duas premissas: (1) que a  
> ergatividade
> nominal deve ser considerada um fenômeno diferente de outros tipos de
> ergatividade, e (2) que o motivo pelo qual as nominalizações são  
> ergativas é
> conhecido, e não precisa ser explicado. Ambas premissas devem ser
> questionadas."
>
> Concordo plenamente que estas premissas dever ser questionadas --  
> mas não
> são MINHAS premissas. Não há nada nas notas que escrevi que implique  
> isso.
> Minhas notas têm um propósito muito simples, modesto até: sugerir  
> que todas
> as propriedades das construções ergativas nestas línguas remontam a  
> (e são
> ainda explicáveis por) um único fato: o caráter nominal das  
> construções em
> que ocorrem. Por mais óbvio que isto pareça, não havia recebido devida
> atenção antes (por exemplo, não é sequer cogitado em Reis Silva &  
> Salanova
> 2000). Se qualifico este tipo de ergatividade como epifenomenal, é  
> porque,
> geralmente, quando se fala em alinhamento sintático, não se fala na
> estrutura interna de sintagmas nominais (que é o caso aqui).  
> Repetindo o que
> escrevi em outra mensagem (http://lista.etnolinguistica.org/2419),
>
> "não digo que ergatividade, para ser ergatividade,
> tem que ser sintática. Entendo, como [Andrés] explica, a raridade da
> ergatividade sintática (e não é à toa que, no tronco Macro-Jê  
> inteiro, só
> haja o Karirí). E não digo que a ergatividade em Jê seja menos  
> legítima que
> em outros lugares. Quando digo que é epifenomenal, é simplesmente  
> porque
> ainda, sincronicamente, continua ocorrendo somente com formas  
> nominais do
> verbo. Se estas formas foram reanalizadas como formas verbais, aí  
> são outros
> quinhentos. Mas há argumentos para isto? Talvez, nas várias outras  
> línguas
> em que ergatividade tenha uma origem em nominalizações, tenha havido  
> um
> passo a mais, em que tais construções se tornariam a forma canônica  
> e se
> estenderiam para contextos não nominais."
>
> Resta explicar, como diz o Andrés, o porque do caráter absolutivo das
> construções deverbais nessa e em outras línguas. Mas, antes, era  
> necessário
> demonstrar que as construções ergativas em questão ocorriam em  
> ambientes de
> nominalização -- o que, aparentemente, não havia sido notado por  
> muitos até
> então.
>
> Estive pensando, agora, num outro sentido em que o conceito de
> "epifenomenalidade" pode ser útil em lingüística histórica.  
> Construções
> assim parecem ter pouca profundidade temporal, o que torna difícil
> determinar até que ponto elas podem ser reconstruídas como tais. No  
> caso da
> família Jê -- e, particularmente, das línguas Jê Centrais e do Norte  
> --, os
> ingredientes para a ergatividade são claramente reconstruíveis: a  
> distinção
> nome vs. verbo, a existência da nominalização lexical como principal
> mecanismo de subordinação, e a posposição genitiva (?). Dados os  
> mesmos
> ingredientes, sob circunstâncias parecidas, não seria possível que
> construções ergativas surgissem independentemente em diferentes  
> línguas?
>
> Um exemplo mais simples para demonstrar o que tenho em mente é a  
> construção
> de futuro em línguas Jê Setentrionais e em Djeoromitxí (família  
> Jabutí). Em
> ambos os casos, a posposição dativa (mã em Jê, ma em Djeoromitxí) é  
> posposta
> ao verbo para a formação do futuro. Nada surpreendente, atestado  
> também em
> várias outras famílias. Embora as posposições nas duas famílias sejam
> cognatas, a construção do futuro não é necessariamente reconstruível  
> para o
> Proto-Macro-Jê, já que poderia ter se desenvolvido independentemente  
> nas
> duas famílias.
>
> E, por falar nisso, alguém saberia me dizer se o futuro perifrástico  
> em
> português, espanhol etc. é reconstruível para o Proto-Romance?
>
> Abraços,
>
> Eduardo
>
>
> 



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