RE: [etnolinguistica] processos diacrônicos
Meira, S.
S.Meira at LET.LEIDENUNIV.NL
Sun Feb 9 13:03:19 UTC 2003
Discussão interessante, sem dúvida.
Um comentário quanto sobre o que o Denny está dizendo:
Ao primeiro, vou tentar esclarecer o ponto que Eduardo levantou-- sei que a
minha exposição foi breve demais. O que seria apagada é a primeira
consoante, não a forma enteira. Vamos chamar um sistema como Mawé depois
desta mudança Mawé2. As formas então seriam:
glos. Mawé Mawé2
nome set et
nome de Fulano Ful. set Ful. set (ou s-et, se
prefere)
nome dele het het (ou h-et, se prefere)
Talvez agora dá para ver mais claramente o sistema de três formas em Mawé2,
que seria um sistema como o /et, ret, set/ de T-G. A segunda parte do meu
ponto é que o processo reverso, da criação de um sistema como Mawé de um
sistema como /et, s-et, h-et/ seria bem mais difícil, pelas razões citadas
anteriormente.
[Meira, S.]
Suponho que seja preciso acrescentar que o Denny está pressupondo uma
perda de /s/ inicial em /set/ que não afeta o /set/ em "Ful. set" --- i.e.
digamos,
que o /s/ é perdido no início de um (sintagma? palavra fonológica?), mas não
em outros ambientes. Seria o fato do /s/ ser preservado no ambiente 'Ful.
set'
que geraria o sistema de três formas.
Poder-se-ia comentar: e isso também poderia ser interpretado como o
surgimento
de um prefixo. Pois o ambiente onde ele sobreviveu (sintagma) poderia ser
reanalisado
como o significado do novo 'prefixo' (contiguidade). Assim, surgiria um
prefixo
relacional (é claro, se estivermos de acordo com a idéia que que basta um
paradigma X-Y-0 para justificar um prefixo -- uma idéia contra a qual talvez
seja possível argumentar algo.).
A minha impressão é que a questão da origem diacrônica do segmento, se foi
prefixo ou parte do radical, é mais ou menos neutra em termos da análise
sincrônica e em termos da busca de cognatos. Todavia, não é neutra em
termos de, por exemplo, interpretações diacrônicas de fenômenos em Munduruku
. Se vai falar em gramaticalização do prefixo como parte do radical ou em
vestígios do prefixo relacional em Munduruku, a presuposta é que o processo
diacrônico foi aquele que estou dizendo seria bem mais difícil, levando em
conta as evidências comparativas fornecidas das famílias Mondé e Mawé.
Alguém já apresentou evidências comparativas verdadeiras ao favor disto?
[Meira, S.]
Não entendi bem porque o Munduruku tornaria menos aceitável o cenário
que o Denny propõe.
Tenho uma certa satisfação diabólica em ser o instigador remoto da atual
debate, como autor, quase dois anos atrás, da pergunta para Eduardo no seu
Minor Field Exam, sobre a existência do tronco Macro-Gê (a pergunta mais
cabeluda que eu podia achar). Ele respondeu com umas magnificentes 15
páginas que podemos acessar no site. O comentário do Silverstein foi, "He
should clean it up and publish it somewhere like IJAL where it will make a
splash".
[Meira, S.]
Viva a ciência!...
Abraços,
Sérgio
[Meira, S.]
At 21:57 7/2/2003 -0500, you wrote:
Prezado Denny,
> A Dulce Franceschini considera o afixo que deriva formas possessíveis,
/he-/, um
> morfema só, e não /h-e-/.
Obrigado por trazer esse tema -- o 'morfema de posse alienável' -- de volta
à discussão. Antes que comecemos um novo mal entendido sobre o que eu NÃO
disse, vou me explicar. Nas minhas mensagens sobre o morfema (r)-e- do
Tupinambá, (s-)e- em Mawé e seus prováveis cognatos em Macro-Jê, talvez eu
tenha mencionado que este morfema tende a pertencer à mesma classe lexical
nas diferentes línguas. Para descrever de uma maneira neutra, digamos que
morfemas dessa classe tendem a apresentar alterações na consoante no começo
do tema em função da pessoa do possuidor -- a chamada classe II em Tupinambá
e Karajá. Portanto, não importa se a consoante inicial é parte da raiz ou
não.
Mesmo que não possamos falar em casos morfológicos e declinações no
português, é possível ainda, ao lingüista histórico-comparativo, apontar
resquícios destas distinções morfológicas na língua atual. Da mesma forma,
mesmo se não podemos falar de 'relacionais' em Mawé, é ainda interessante
notar que as alternâncias morfológicas apresentadas pelo prefixo he- ~ e-
são muito parecidas com o que temos nessa língua com raízes "da classe II"
como 'nome' (he- ocorre naqueles contextos em que het ocorreria, enquanto e
ocorre nos contextos em que set ocorreria; vide Franceschini 2001, que eu
menciono em algumas mensagens antigas). Citando o Sérgio Meira,
> E, de fato, a presença de alternâncias iniciais é um
> argumento aceitável para a inclusão de uma língua na
> família celta -- se essas alternâncias ocorrerem exatamente
> nos contextos certos, e se seus padrões corresponderem
> regularmente aos padrões da família, etc.
Da mesma forma, o fato de que o 'marcador de posse alienável' apresenta
alternâncias similares nas diversas línguas (s-iN ~ y-iN em Panará, hiN ~
xiN em Ofayé, r-e- ~ s-e- em Tupinambá, e assim por diante) casa
perfeitamente com a situação Mawé; isso reforça a idéia de que estes
morfemas (que têm função e comportamento morfológico tão semelhantes nas
diversas línguas) sejam de fato cognatos.
>
> Nestes exemplos, há somente duas formas, não três, e /s/ e /h/ fazem parte
> do radical; não há questão de 'prefixos relacionais' . Para produzir um
> sistema de três formas, como em Tupi-Guarani e Munduruku, se eu entendo os
> fatos destas línguas corretamente, seria suficiente apagar, através de uma
> mudança sonora natural, talvez s>h>0, a consonate inicial da forma livre
de
> Mawé, dando /et/. E, se eu me lembro bem, de fato há vários exemplos de
> cognatos que exibem correspondênicas do tipo Surui /l/: Mawé /s/:
> Tupi-Guarani /0/.
Não sou tupinista e nem tenho pretensões de sê-lo; sei que há gente muito
mais qualificada nesta lista para lidar com isso. Mas, se entendi bem,
haveria um probleminha matemático aqui: se temos duas formas na proto-língua
(digamos, uma com s- e outra com h-) e, por uma mudança fonológica natural
(regular, eu presumo) uma delas se torna zero, o resultado não seria, mais
uma vez, DUAS formas (em vez de TRÊS)? Talvez eu não tenha entendido bem.
Nesse caso, peço desculpas de antemão...
Abraços,
Eduardo
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