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Eduardo Rivail Ribeiro
erribeir at MIDWAY.UCHICAGO.EDU
Wed Jan 29 01:22:00 UTC 2003
Caros Andrés e demais colegas,
> Voce deve saber (pelo trabalho da Christiane) que uma parte
> importante dos nomes (e quase todos os verbos) em Mebengokre e Apinaye
> comec,am com um numero limitado de "morfemas". Em alguns casos
> (especialmente com os verbos) e possivel fazer pequenos paradigmas em que
> uns morfemas substituem aos outros (nhipej, kupej, djapej, kapej - fazer,
> mexer, trabalhar, apalpar), mas na maioria dos casos eles sao fixos, e sua
> independencia morfologica e questionavel. Pois bem, um destes e "nhi". Da
Isto -- a ocorrência do formativo nhi tanto com nomes, quanto com verbos -- é bem interessante. Como Luciana Dourado demonstra, o morfema reflexivo é homófono do morfema alienador nhi em Panará (se me lembro bem), onde ambos são bem mais produtivos do que nas demais línguas da família, aparentemente. Em Tupi, tem-se algo muito parecido: o prefixo e- ocorre também com verbos -- intransitivos, se não me engano (inacusativos, talvez?); estou citando de memória, baseado em dados do Munduruku que vi há algumas semanas. Atenção, colegas do Munduruku, por gentileza, corrijam-me se estou equivocado. [Françoise Rose, que pesquisa o Emérillon, disse-me que e- ocorre com verbos também nesta língua.]
Outro fato interessante: em Karajá, vários verbos intransitivos inacusativos da classe II (ou seja, da classe que ocorre com prefixos relacionais) começam com e- (/e/ aberto; esta vogal tende a corresponder sistematicamente com o /i/ nasal das línguas Jê: Proto-Jê (do Davis) *nh-iNkra 'mão', Karajá d-era 'antebraço'; Proto-Jê (do Davis) *nhiN 'carne', Karajá de). Eis uma amostra (na ortografia Karajá, fala feminina):
ebure 'zangar-se'
ekosa 'perder-se'
ekyte 'curar-se'
eko 'ser enviado'
ekote 'perder-se'
ekysa 'alegrar-se'
ekywese 'cansar-se'
ele 'fazer-se, tornar-se'
ekoari 'viciar-se'
Note-se que todas estas raízes são semanticamente passivas (ou 'médio-passivas'), requerendo, na tradução portuguesa, o "reflexivo" se. Sincronicamente, a vogal inicial é parte da raiz verbal, mas talvez este e- inicial seja cognato com o (nh-)i- do Jê do Norte. [É claro que temos que encontrar cognatos lexicais que confirmem isso, mas, como hipótese inicial, é um tanto plausível.]
> Nao entendi as suas ultimas perguntas; talvez lendo com mais calma
> possa lhe dizer alguma coisa. Voce acha que a aplicativizac,ao com "-nho"
> poderia ser um "aplicativo alto", enquanto que o possessivo diretamente
> sobre o nome tem uma relac,ao mais local com o nucleo? Isto faz sentido,
> pois aparentemente voce pode possuir qualquer coisa com -nho,
Basicamente, é isso aí. Sem dúvida, o possessivo diretamente ligado ao nome tem uma relação mais local com este (sendo parte da estrutura argumental original do nome, eu presumo). A questão que ainda me intriga é se o 'possuidor' com o morfema õ é, de fato, possuidor do nome de significado específico. Se a hipótese de que o nome de significado específico é um aposto estiver correta, a resposta à questão seria 'não'. Daí a importância de testes sintáticos para determinar o status tanto do 'marcador de posse alienável', quanto do nome de significado específico.
> irrespectivamente do seu significado ou "relacionalidade". Isto e o mesmo
> que voce chama de "adjunc,ao"?
Como 'adjunto', refiro-me simplesmente a sintagmas nominais que não são parte da estrutura argumental do verbo (ou do sintagma nominal em questão). No caso dos nossos 'morfemas alienadores', resta saber se o nome de significado específico é parte do sintagma que o precede ou não. Opiniões a respeito disso?
Muito obrigado, mais uma vez, pela excelente discussão dos dados.
Abraços,
Eduardo
Eduardo Rivail Ribeiro
Department of Linguistics (University of Chicago)
Museu Antropológico (Universidade Federal de Goiás)
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