[etnolinguistica] Origem da palavra tari

Alexandra Aikhenvald a.aikhenvald at LATROBE.EDU.AU
Thu Mar 31 06:53:28 UTC 2005


Prezado Sérgio
 
Obrigada pela resposta!
 
A sua sugestão é muito interesante. O sufixo /-jana/ em denominações como Wapishana, Kaxuyana, Mawayana (também chamado de Mapidian) pode ter alguma coisa a ver com o plural proto-aruak cuja forma é *-ne ou -nai/nay; mas por outro lado pode ser uma conincidência. A palavra tariana na língua tariana contém um sufixo -na que também aparece nos outrso denominações dos povos, tais como desa-na 'Desano', yala-na 'brancos', yeposa-na ou yepos-ana 'cubeos; ou Indios em geral'. Já que a palavra yala- é da origem Nheêngatu, pensei que de repente o afixo -na podia ser da mesma origem; por enquanto não encontrei nada nas gramáticas e os dois dicionários que eu tenho.
 
E verdade que os tariana nunca tiveram contato com nenhum povo Karib. Você já viu a minha gramática da língua Tariana (Cambridge UP, 2003)? No texto 1, o Leonardo Brito descreve um encontro com os Yanomami que ele chama de Makiritare (pelo que eu saiba, e o nome normalmente dado aos Dekwana/Yekwana; deve ser um grupo dos Yanomami (Sanuma) em contato com os Dekwana). E a única menção de um nome da origem Karib que eu ouvi dos tariana.
 
Com a tradução do Martius, não tem nenhum problema; aqui está aquilo que ele diz, p. 537 (não coloquei tudo isso na minha mensagem para a lista porque é muito complicado para explicar):
 
'Als Banden der Miranhas zwischen dem Yupurá und dem Uaupês werden die Carapaná- (Schnacken), die Oira-açu (Grossvogel)-Indianer, die Muriatês (Mariatês), was "Feinde, schau auf" (Mora oder Mara te!) bedeutet, und die Tarianas, d.i. die Nehmer oder Räuber (tari) genannt'. Und dies ist alles! Em seguida ele discute a moradia e alguns coustumes dos Carapaná; só isso. Tem tambem uma lista de palavras em tariana, no segundo volume (é um dialeto bem próximo a aquele que o Koch-Gruenberg coletou e publicou em 1911; um dialeto já extinto).
 
Agora, o que o Martius chama de Miranhas é dificil de saber direito. O que ele diz, na p. 534, é o seguinte 'Wenn mann den sesshaften friedliebenden Indianers im untern Gebiete des Yupurá nach den Miranhas fragt, so malen sich Furcht und Abscheu in seinen Mienen', e assim por diante. Para ele, é um povo nomade, gente pequena (de altura) e medonha; parece uma descrição que muitos estudiosos (inclusive Coudreau, 1887, LA FRANCE EQUINOXALE , e o Koch Kruenberg, davam aos Makus, ou também aos Yanomamis). Coudreau (1887) considera Miranya e Maku como praticamente a mesma coisa. O fato que o Martius considera os Tariana do Yapura (Yupura) como um grupo dos 'Miranhas' pode ter a ver com a origem de alguns subgrupos dos Tariana, como um tipo de 'ex-Maku' (tais grupos existiam, veja p. 25, nota 19 do LANGUAGE CONTACT IN AMAZONIA). Porque ele coloca os Carapaná na mesma lista, é dificil ezplicar (acredito que porque há uma teoria que os Carapaná também eram ex-Maku). Oira-açu não sei quem são, e Mariatês é um grupo aruak (já extinto). Para complicar as coisas, no volume 2 do Martius, a lista de palavras da língua chamada por ele de Miranha parece ser Miraña mesmo (quer dizer, um dialeto da língua Bora; veja também o Gunter Tessmann, Dir Indianer Nordost-Perus: grundlegende forschungen fuer eine systematische kulturkunde, 1930).
 
Uma outra coisa que achei interessante nesse trecho do Martius é que ele parece ser o único pesquisador (etnografo, seja quem for) que menciona os Tariana na área do rio Japurá (Yapurá, Yupurá). Os Tariana de Santa Rosa/Periquitos (o subgrupo Wamiarikune), com os quais eu trabalhei, me contaram que a terra 'original' deles era mais ou menos alí. Por sinal, os vários subgrupos tariana contam historias diferentes sobre o caminho que eles pegaram para chegar até o Vaupés; tudo mundo concorda que o lugar de 'origem' foi a cachoira Wapui no Rio Aiary. E o lugar de 'origem' que os tariana compartilham com os baniwa do Içana, e com os Piapoco (em Colombia). No entanto, as línguas tariana, baniwa e piapoco são bem diferentes (principalmente na area de gramatica). O Henri Ramirez, no livro dele de 2001, esta muito errado quando ele considera o  tariana como um dialeto baniwa (seria a mesma coisa como considerar o francêes como um dialeto do português). Os proprios tariana me falaram que ele tinha coletado umas palavras com dois falantes, Emilio Brito e Raimundo Brito; esses dois falam o tariana meio quebrado influenciado pelo baniwa hohôdene (p. 22 da A Grammar of Tariana...). Têm um outro dialeto tariana (chamado de Kumandene) que se fala no rio Iauari; é um dialeto influenciado pelo pelo baniwa hohôdene, más não é mutualmente intelligivel com o  baniwa hohôdene.
 
Coloquei essa mesma pergunta sobre a palavra tari na lista da SSILA; vamos ver o que vai dar!
 
Obrigada mais uma vez
 
Abraços
 
Sacha
 

Professor Alexandra Y Aikhenvald
Associate Director
Research Centre for Linguistic Typology
La Trobe University
Victoria   3086
AUSTRALIA
Tel: 61 3 9479 6402
Fax: 61 3 9467 3053 

 

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From: Meira, S. [mailto:S.Meira at let.leidenuniv.nl] 
Sent: Wednesday, 30 March 2005 11:49 PM
To: etnolinguistica at yahoogrupos.com.br
Subject: RE: [etnolinguistica] Origem da palavra tari


Prezada Sacha,
 
uma raiz /arë/, /aro/ (/ë/ = schwa) é encontrada em quase todas
as línguas Karíb, com o sentido de 'levar' (tb. 'pegar', 'levar embora',
donde talvez 'roubar'); formas de terceira pessoa reflexiva / correferencial
tomam um prefixo /t-/, bem como uma forma participial com um
prefixo /t-/ e um sufixo /-se/ (em algumas línguas reduzido a /-e/),
algo como /tarëe/, /tërëe/ 'levado (embora)', 'carregado'. Uma nomi-
nalização em /-mï/ ou /-n/ produziria algo como /tërëen/, /tërëemï/,
/tërësemï/ (dependendo da língua) 'o que se leva, que é para ser
levado'. Um sufixo /-jana/ é muito freqüente na família com o sentido
de 'povo' (em denominações como /katxu-jana/, /wai-jana/, 
/arama-jana/, etc.), o qual talvez (especulo) tenha algo a ver com 
plurais em línguas Aruák (também em nomes como /wapish-ana/,
/mawa-jana/, etc.. Algo assim como /tërëen-jana/ é 
stricto sensu possível, embora, em geral, /-jana/ se use com
nomes de animais ou plantas, ou, mais raramente, acidentes
geográficos; um significado presumível seria 'aqueles que foram
levados', 'o povo que foi levado' (talvez 'os roubados', 'die Geräubten'
ao invés de 'Räuber'? Esse tipo de confusão na tradução não seria
assim tão implausível.)
 
Por outro lado, pode-se ter certeza de que a tradução do von
Martius é ainda que aproximadamente acurada? Diz ele como
'Nehmer und Räuber' foi obtido? Quem traduziu? Digo isso porque
a etimologia acima sugerida, embora não totalmente implausível,
por alguma razão não me parece lá muito verossímil. Uma outra
idéia que me ocorreu, ainda dentro da família Karíb, seria /tarë/,
/tërë/ 'aqui' + nominalização (/-no/, possivelmente perdido depois)
+ /-jana/, com uma tradução como 'o povo daqui', 'a gente local'
A autodenominação dos Tiriyó, /tarëno/, tem precisamente esta
etimologia, a qual parece mais intuitivamente convincente do que
'o povo que é levado'.
 
É claro, seria necessário explicar por que morfemas Karíb
apareceriam na autodenominação dos Tariana. Tanto quanto eu
saiba, não há línguas Karíb nas proximidades, nem os Tariana
estiveram em contato com povos Karíb. Se não houver a possibilidade
de influências Karíb nos Tariana, então as duas hipóteses acima
se tornam bem menos viáveis, mais como coincidências.
 
Abraços,
 
Sérgio
 
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Dr. Sérgio Meira
Faculteit der Letteren / Talen en Culturen van Indiaans Amerika (TCIA)
Universiteit Leiden
Postbus 9515
2300 RA Leiden
NEDERLAND
 
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